segunda-feira, 21 de março de 2011

TIRO NO PÉ!

OAB prepara a guerra, CNJ e STF ensaiam a paz

A Ordem dos Advogados do Brasil mirou no alvo errado e acertou o próprio pé. Na esteira do natural antagonismo entre o jovem Conselho Nacional de Justiça e o vetusto Supremo Tribunal Federal, que passaram a dividir um palco onde antes havia um só ator, a OAB anunciou o lançamento do Movimento em Defesa do CNJ. Alvo de críticas generalizadas, o movimento tende a se esvaziar, mas conseguiu o que parecia improvável: os dois pólos da discórdia passaram a emitir seguidos sinais de simpatia recíproca. E a OAB ficou falando sozinha.
Isso ficou claro na sessão plenária do Supremo, da última quarta-feira (16/3), no julgamento de um pedido de Mandado de Segurança em que se discutia se a competência disciplinar do CNJ é subsidiária ou concorrente em relação à das corregedorias dos tribunais de segunda instância. Diante da questão que motivou a maior controvérsia entre o Conselho e o STF e a criação do movimento da OAB, os ministros reagiram às críticas que vêm recebendo por conta de suas decisões, mas fizeram questão de destacar a importância institucional do CNJ.
A maior parte dos conselheiros do CNJ considera que o movimento que será lançado pela OAB na próxima segunda-feira (21/3) erra na forma. A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, que em um primeiro momento confirmou sua participação no lançamento, voltou atrás.
O fato de a ministra ter cancelado sua ida à OAB causou estranheza. Alguns reagiram nos corredores, comentando que a criação do movimento teria sido até fomentada por ela junto a conselheiros da Ordem, que ficou literalmente na mão: acabará fazendo um ato de apoio ao CNJ sem o apoio dos conselheiros do órgão.
A ministra cancelou sua participação por se mostrar receosa com a possibilidade de a manifestação, marcada para o fim do expediente, às 18h no Salão Nobre da OAB, em Brasília, se transformar em um ato de desagravo contra as decisões do Supremo Tribunal Federal. Depois de conversar com diversos conselheiros, decidiu não comparecer ao lançamento do movimento.
Como a ministra, a maior parte dos conselheiros do CNJ não deve ir ao evento por considerar que ele já ficou com a marca de ato anti-Supremo, o que não é interessante porque não há disputa de poder possível neste caso: o STF é quem dá a última palavra, sempre.
O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante Junior, explica que o movimento não tem como objetivo contestar decisões do STF. “Entidades da magistratura estão aproveitando esse momento para disseminar a ideia de que a Ordem está agravando o Supremo Tribunal Federal. Não é isso”, afirmou.
De acordo com Ophir, a decisão de criar o movimento foi tomada pelo plenário do Conselho Federal da OAB pela preocupação com o fim da competência concorrente do CNJ: “O movimento surgiu pra debater essa questão jurídica, de forma técnica e, por outro lado, reconhecer o importante papel que o CNJ tem desempenhado ao punir a parcela extremamente minoritária de juízes que cometem desvios”.
O presidente da OAB afirma que a Ordem nunca mencionou que o movimento tem como objetivo se contrapor às decisões do STF. “Corregedorias internas dos tribunais falham muitas vezes e o CNJ tem um papel fundamental para fazer o trabalho que não é feito por elas”, ressalta o presidente da OAB.
Ophir Cavalcante diz que a Ordem respeita as decisões do STF e que discuti-las não significa afrontar a autoridade da Suprema Corte: “É uma discussão que está na pauta do Supremo e, por isso, é democrática”.
Em vez de tocar bumbo na praça, os conselheiros têm preferido trabalhar pela autonomia do órgão internamente. Integrantes do CNJ têm se reunido com ministros para relatar as dificuldades encontradas pelo Conselho e a importância de se manter seu poder correcional em razão da atuação muitas vezes omissa das corregedorias locais. E têm obtido bons resultados e grande receptividade.
Alguns concordam inclusive com o argumento do ministro Celso de Mello lançado em plenário na última quarta, de que o controle de suas decisões pelo Supremo servirá para ajustar a atuação do CNJ e, consequentemente, fortalecê-lo. Eles apontam que o STF costuma prestigiar o Conselho quando ele não extrapola suas atribuições. Como exemplo, apontam a resolução que pôs fim ao nepotismo no Poder Judiciário.
Neste caso, o Supremo não só considerou plenamente constitucional o ato do CNJ, como depois editou uma súmula vinculante que, na prática, estendeu para todos os poderes a proibição de empregar parentes que nasceu no Conselho.
Poder de punir
Na sessão de quarta-feira do STF, estava em julgamento Mandado de Segurança apresentado pela juíza Ana Paula de Medeiros Braga, processada no CNJ sob a acusação de desvio de conduta por conceder decisões favoráveis à prefeitura de Coari, no Amazonas, em troca de benefícios pessoais. Depois do voto da ministra Ellen Gracie, relatora do caso, em favor do seguimento do processo no Conselho e da competência concorrente do órgão, a definição do caso foi suspensa por pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Mas os ministros aproveitaram para responder ao que classificaram como um “tratamento apaixonado” de suas decisões contra os atos do CNJ. Por cerca de 10 minutos, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio e Cezar Peluso comentaram as críticas que o tribunal vem recebendo.
“Não há razão para essa expectativa tão negativa em relação aos julgamentos do tribunal. Há certo estrépito em torno do assunto”, afirmou o ministro Gilmar Mendes. O ministro Celso de Mello registrou que “há um tratamento passional do tema”, quando, na realidade, “o controle jurisdicional do Supremo Tribunal Federal ajustará a atuação do CNJ aos ditames da Constituição e das leis da República”.
O ministro Marco Aurélio afirmou que esse tratamento passional “não contribui para o fortalecimento das instituições, porque leva o leigo a fazer uma leitura errônea” das decisões do STF. Já o presidente do Supremo, Cezar Peluso, foi mais incisivo ao dizer que o tribunal não deve justificativas por cumprir o que manda a Constituição Federal. As justificativas, de acordo com ele, estão nas decisões da Corte.
A competência concorrente do CNJ foi colocada sob suspeição no ano passado em algumas decisões do Supremo. Na principal delas, o ministro Celso de Mello concedeu liminares contra a decisão do CNJ de aposentar compulsoriamente três desembargadores e sete juízes de Mato Grosso, por desvio de dinheiro do Tribunal de Justiça local para socorrer financeiramente a Loja Maçônica Grande Oriente, de Cuiabá.
Para Celso de Mello, o CNJ tem poder de processar e impor sanções administrativas a juízes e desembargadores. Mas sua competência é subsidiária à dos tribunais de segunda instância. Ou seja, o CNJ não pode punir juízes sem que tenha dado a oportunidade de o tribunal ao qual os magistrados estão submetidos se manifestar sobre o caso.
Mais recentemente, o ministro Marco Aurélio suspendeu o ato do CNJ que afastou, por dois anos, o juiz mineiro Edilson Rodrigues por ter se manifestado contrário à Lei Maria da Penha e de maneira discriminatória quanto às mulheres em decisões. Para o ministro, o afastamento do juiz foi inadequado: “É possível que não se concorde com premissas da decisão proferida, com enfoques na seara das ideias, mas isso não se resolve afastando o magistrado dos predicados próprios à atuação como ocorre com a disponibilidade”.
Em outro caso rumoroso, o ministro Dias Toffoli concedeu liminar contra a decisão monocrática do conselheiro Jorge Hélio que impedia a posse do ministro João Oreste Dalazen na Presidência do TST. Toffoli classificou a decisão como “ilegal, abusiva e coatora”.
Na sessão de quarta-feira, contudo, o decano Celso de Mello enfatizou que em outras ocasiões o Supremo reforçou os poderes do Conselho: “Todos deveriam saber, especialmente aqueles que se opõem publicamente a essas decisões, que o Supremo Tribunal Federal preservou a existência jurídica do Conselho Nacional de Justiça ao julgar improcedente a ADI em que se questionava a inconstitucionalidade da emenda que havia previsto a criação do CNJ”.
O ministro também disse que o STF vem somente “aplicando critérios de prudência, especialmente quando se cuida de medidas extremamente graves, como a aposentadoria compulsória imposta por razões de interesse público”.
Celso de Mello destacou que o papel da Corte tem sido o de reafirmar que a competência do CNJ se restringe ao campo administrativo e fez questão de grifar a importância do Conselho: “Ninguém desconhece, porque irrecusável, a importância do CNJ, que tem poderes censórios e exerce competência disciplinar. Mas o exercício dessas atribuições está necessariamente subordinado ao respeito que se deve à Constituição Federal”.
Uma semana antes da sessão em que os ministros responderam às críticas, por unanimidade, o plenário negou pedido de Mandado de Segurança ao desembargador Rubem Dário Cunha, afastado de suas funções no Tribunal de Justiça da Bahia por decisão do CNJ.
Cunha é suspeito de vender decisões judiciais. De acordo com o processo, uma gravação telefônica revelou que ele cobraria até R$ 400 mil por uma decisão. O desembargador contestou o afastamento com o argumento de que houve cerceamento de defesa e que a decisão do CNJ se baseou apenas em depoimentos de pessoas de “duvidosa honorabilidade”.
O relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, destacou que nenhuma irregularidade ou abuso de poder foi cometida pelo CNJ e que “a gravidade das infrações funcionais supostamente praticadas pelo desembargador impõem o seu afastamento preventivo”. Foi demonstrado que quando o CNJ não ultrapassa os limites estabelecidos, suas decisões prevalecem.
Por essas e outras, e de olho nos argumentos expostos pelos ministros do STF, os conselheiros consideram que a conversa é a melhor saída e que há no horizonte um sinal de claro entendimento entre o CNJ e o Supremo.

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